domingo, abril 15, 2007

Brilho eterno de um dente do juízo.

Essa história aconteceu comigo há mais de um ano, quando precisei arrancar os sisos. Foi uma, digamos assim, mini-cirurgia porque um dos dentes estava numa posição bem difícil. O combinado era extrair quatro dentes de vez, mas o dentista disse que, na hora, achou melhor tirar só dois. Segundo ele, porque a extração dos inferiores demorou mais tempo do que o esperado e eu comecei a sentir muita dor e a reclamar muito de tudo.
Peraí, eu reclamei? Como assim? Eu não me lembro disso.

Uma semana antes, quando eu estava entrando na sala de cirurgia, ainda não sabia com certeza se ia ser com anestesia local ou geral. Já deitado, com tudo pronto para eles começarem, perguntei ao anestesista qual seria o procedimento. Ele disse que seria local, com sedação. Perguntei se eu ficaria acordado e ele disse que não, já colocando um soro no meu braço e aplicando alguma coisa em seguida. Só por curiosidade, tentei saber o exato momento que eu iria dormir e comecei a contar os segundos. Foi mais eficiente do que contar carneirinhos porque cheguei no máximo até 10. Talvez 20, vá lá. Só sei que acordei duas horas depois, já no quarto do hospital, passando da maca para a cama.

Mas vamos voltar agora para aquela conversa que eu tive uma semana depois, no consultório do dentista. Ele disse que foi difícil tirar o dente, que doeu e eu reclamei muito durante a operação. Mas eu não me lembrava de nada disso. Aí, ele falou que, por causa da sedação, eu não fiquei exatamente dormindo. Passei o tempo inteiro acordado, só que meio sonolento. Ele podia conversar comigo que eu respondia. Se ele pedisse para eu virar a cabeça, eu virava. Só que a sedação causa um tipo de amnésia, ou sei lá o que, e por isso, apesar de ter sentido muita dor durante a operação toda, tendo até reclamado várias vezes por causa disso, eu não me lembrava de absolutamente nada.

Então surgiu uma questão filosófica com toda essa situação e era justamente neste ponto que eu queria chegar.
Pense comigo. Houve sofrimento ou não? Porque acabei percebendo que uma coisa só existe realmente para você, se você é capaz de se lembrar dela. Se você não lembra de algo que sentiu, fisicamente ou emocionalmente, é como se realmente nunca tivesse sentido nada.
Arranquei o siso. Doeu pra caramba. Eu reclamei e tudo. Mas a sedação me impediu de registrar isso. E, se não está registrado, não aconteceu pra mim. Arrancar o dente foi muito tranquilo. Pode acreditar. Não doeu nadinha, nadinha.


(Apesar do título, que eu fiz agora, esse texto foi escrito em 2003, antes de lançarem o excelente Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças.)

segunda-feira, abril 02, 2007

Tudo de bom.

Toda mensagem de aniversário ou fim de ano é a mesma coisa: paz, saúde, sucesso, dinheiro, alegria, amor, sorte, felicidade. Até juízo, dependendo de quem recebe. É o que eu posso chamar de pacote "tudo de bom".

No fundo mesmo, tudo isso quer dizer a mesma coisa: gosto de você, lembrei de você ou, pelo menos, vou com a tua cara e desejo que coisas boas aconteçam para você.

Não é que eu não goste de receber essas mensagens. É bom saber que tem gente que, no mínimo, vai com a minha cara. Mas sempre que recebo esse tipo de coisa, acho que algo fica meio solto. Parece que, apenas desejando, o pacote "tudo de bom" vai acontecer como numa mágica.

Você acredita em sorte? Porque, se acredita, possivelmente concorda que não é possível correr atrás dela. Sorte seria tipo uma bênção ou coisa parecida. Quase algo sobrenatural. Se você não tem, não pode fazer absolutamente nada para consegui-la. Apenas desejar.

Se você acredita, faz até sentido desejar sorte para alguém.

(Um dos meus próximos textos deve ser sobre isso, tô tentando entender melhor sorte e azar.)

É uma das poucas coisas que, na minha opinião, faz sentido desejar para outra pessoa (mas isso só se você acreditar em sorte). Porque a grande maioria dos outros itens do pacote não adianta só querer que eles aconteçam.

Ao invés de desejar todas as coisas boas, como se tudo fosse cair do céu, as pessoas deveriam dizer como alcançar cada uma dessas coisas. E aí, porque não deixar um pouco a preguiça de lado e desejar “tudo de bom” de forma até personalizada?

Tipo, além de desejar paz, dizer para a pessoa ser mais calma no trânsito, parar de brigar por qualquer coisa... Evitar estádios de futebol (?) talvez. Sei lá, depende de como você encara as coisas.
Ao invés de apenas desejar muito dinheiro e sucesso, você pode dizer para a pessoa o que ela pode fazer para melhorar no trabalho. Se ela estiver desempregada, indicar alguma coisa.
Saúde? Que tal marcar pra correr na Jaqueira. Porque não lanchar na Usina de Força ao invés da Mc Donald´s? Com Ruth Lemos vimos que alimentação saudável pode ser até divertida. O Ronald nem é engraçado.
Não pode faltar amor! Que tal dizer para a pessoa ser melhor com a namorada, esposa ou esquema? Deixar de ciúme besta, fazer uma surpresa, demostrar que ama, perdoar... É clichê: trate muito bem todos que estão a sua volta e você vai receber muito amor.
Se alguém ainda está atrás da cara-metade, ajude a dar um jeito naquele cabelo. Deixe a pessoa à vontade, de bem com a vida. Alguém interessante vai acabar aparecendo na fila do supermercado, no ônibus ou no Orkut. Apresente uns amigos. Quem sabe você vira padrinho ou madrinha do casamento.

Acho que é mais ou menos por aí. Se você leu essa mensagem todinha, no mínimo, eu já vou com a sua cara. Quem sabe no final do ano. Ou no seu aniversário, ou no meu, um de nós recebe uma mensagem assim.


(O texto original foi enviado para amigos numa mensagem de feliz ano novo, no final de 2004. Aqui está bem diferente mas a idéia é a mesma.)